09 março 2007

Azar

J. era um bem sucedido vendedor de tapetes de Arraiolos. Tinha uma loja no Chiado, vendendo os tapetes para Portugal e para o estrangeiro. Dormia descansado…Pensava ele que, caso o negócio conhecesse piores dias, poderia interromper a licença sem vencimento de que dispunha, e voltar a ser funcionário público. Ou porque o negócio começou a fraquejar, ou por outra razão qualquer, J. abandonou a sua actividade empresarial, retornando ao instituto onde esteve desde sempre vinculado.
O presidente desse instituto, um amigo de longa data, recebeu J. de braços abertos. Pudera, há anos que J. tinha alugado ao tal presidente, um pai de família numerosa de sete filhos que por sinal era contra os métodos contraceptivos, uma casa na capital. Por valor irrisoriamente baixo, verdadeiramente de amigo.
Apesar de estar completamente a leste das novas actividades, que nada tinham a ver com tapetes de Arraiolos, o presidente daquele eminente instituto guindou imediatamente J. para uma posição de chefia destacada, imediatamente abaixo dele. Uma troca de favores, afinal.
Começava então a nova ascensão de J.! A mulher dele é também colocada em posição de chefia intermédia, o filho é colocado numa empresa que J. passa a tratar com deferência, novos negócios vão surgindo com empresas “amigas”.
Quando ocorrem mudanças de governo, J. sobrevive sempre, aliás, como acontece com outros colegas do seu centrão.
Até ao dia onde aparece uma vaga de reformas, um ténue passo, uma tentativa de regenerar uma podre administração pública.

E já nada é como antigamente: o instituto está em míngua, as chefias são em menor número, insuficientes para todas as “bolhas” do centrão…Agora, é mesmo só para quem tiver cartão do partido do poder!
E J., não tendo um cartão da cor da moda, nem sendo conterrâneo ou familiar do Big, acabou por saltar! Ou melhor, voar no seu tapete de Arraiolos, para poiso incerto. Teve azar!

PS: Este governo teria, nos dias de hoje, uma oportunidade única para acabar de vez com a mediocridade decorrente do “oportunismo do cartão”. Porque não o está a fazer?